segunda-feira, 14 de junho de 2010

Depois de morrer aconteceram -me muitas coisas de Ricardo Adolfo

Este novo escritor ( novo porque não o conhecia e novo porque não é velho, pelo menos pelo ano de nascimento) merece toda a nossa atenção. Com uma voz e um estilo muito próprios, narra neste livro o isolamento dos muitos "transparentes" do século XXI, nos países ricos : os imigrantes ilegais.
A sua narrativa não é melodramática, mas, pelo contrário, deliciosamente irónica e, quase cómica.
Os malentendidos, as barreiras linguísticas, o isolamento interior transformam o quotidiano numa epopeia negra com consequências imprevisíveis e absurdas. É um romance negro de circunstâncias banais. Acompanhamos as desventuras desta família ( pais e filho ) durante vinte e quatro horas, decisivas para a sua existência, através da visão interior do pai que tenta entender e adaptar-se ao que o rodeia. Na impossibilidade de controlar os acontecimentos, improvisa discussões éticas, religiosas e pragmáticas consigo mesmo num diálogo interior que torna simpática esta personagem desprovida de qualquer dimensão heróica. Não entende os outros, não tem qualquer liberdade de alterar o curso das circunstâncias, mas não desiste, continua incansavelmente a reagir a tudo o que o rodeia guiado pela sua leitura deficiente e limitada ( não serão assim todas?) da realidade.

2 comentários:

  1. Eu, que sou um imigrante, sei bem o que é a sensação de solidão e afastamento numa sociedade que não é a tua e na que tudo é novo, diferente, por vezes, agressivo. E só a presença dos anjos que Deus pus no mundo para estas eventualidades acalmou a minha situação. O afastamento e a solidão são sempre argumentos para os bons romances, mas sempre precisam da intervenção dos anjos para que sejam crediveis.

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  2. Obrigada pelo teu comentário, Abu, mas com certeza nunca foste um imigrante ilegal, vivendo na incerteza do hoje ( sem falar do amanhã )e sentindo que o teu destino não está nas tuas mãos. Esta personagem mantém com Deus um diálogo infantil e padece de um mal muito comum na nossa época : a falta de dimensão espiritual.

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