domingo, 27 de junho de 2010

SIM/NÃO

Sim, agarraria a tua mão desaparecida

Sim, procuraria a tua boca já distante

Sim, por ti faria a loucura parecer tranquila

E a dor ter a cor do beijo

Sim, por ti imaginaria uma história bonita

Que acabaria onde as outras começam

Sim, acomodo os meus braços ao vazio

Aconchego o coração nas nuvens da noite fria

Sim, digo que sim

Para ouvir em mim o teu eco.

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Não, não ficarei feliz quando partires

Não, não saberei mudar o choro em riso

Nem a dor em esperança

Não, não saberei cuidar de mim

Não saberei se o amor vive sem os beijos

Não, não sentirei o teu coração bater comigo

Não poderei preencher o vazio dos meus braços

Com palavras sensatas e distantes

E o não

Como farei para apagar a sombra

Desta palavra que cresce, se arrasta

Trazendo consigo rimas

( e eu que não gosto de rimas)

Que ficarão esperando ( solidão? Rejeição?)

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Depois de morrer aconteceram -me muitas coisas de Ricardo Adolfo

Este novo escritor ( novo porque não o conhecia e novo porque não é velho, pelo menos pelo ano de nascimento) merece toda a nossa atenção. Com uma voz e um estilo muito próprios, narra neste livro o isolamento dos muitos "transparentes" do século XXI, nos países ricos : os imigrantes ilegais.
A sua narrativa não é melodramática, mas, pelo contrário, deliciosamente irónica e, quase cómica.
Os malentendidos, as barreiras linguísticas, o isolamento interior transformam o quotidiano numa epopeia negra com consequências imprevisíveis e absurdas. É um romance negro de circunstâncias banais. Acompanhamos as desventuras desta família ( pais e filho ) durante vinte e quatro horas, decisivas para a sua existência, através da visão interior do pai que tenta entender e adaptar-se ao que o rodeia. Na impossibilidade de controlar os acontecimentos, improvisa discussões éticas, religiosas e pragmáticas consigo mesmo num diálogo interior que torna simpática esta personagem desprovida de qualquer dimensão heróica. Não entende os outros, não tem qualquer liberdade de alterar o curso das circunstâncias, mas não desiste, continua incansavelmente a reagir a tudo o que o rodeia guiado pela sua leitura deficiente e limitada ( não serão assim todas?) da realidade.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Desistência

Para aqueles que seguem este blog, que eu saiba só um leitor ( mas muito atento),a permanência há meses de 2666 na rubrica Os livros que estou a ler , deve causar alguma admiração ou curiosidade em relação ao livro ou à leitora.
Vou esclarecer qualquer dúvida : o livro está abandonado, esquecido no meio de outros que vou lendo. Não sei se o abandono é definitivo ou passageiro, mas prefiro apagar o seu título.E a verdade é que não me apetece ler esse livro cujas primeiras 400 páginas já percorri : a viagem foi longa ( e não saiu do mesmo sítio).

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A Cidade da Alegria de Dominique Lapierre

Iniciei a leitura deste livro com alguma relutância. Ficcionar a miséria e a luta pela sobrevivência, não me parecia a melhor perspectiva para abordar um tema tão chocante, principalmente do ponto de vista ocidental. Sempre considerei, talvez erradamente, que a abordagem das terríveis catástrofes que vitimam as populações mais desfavorecidas era mais destinada a aliviar a consciência dos que vivem na abundância e no desperdício do que os males das populações que vivem e morrem sem esperança de alterar o curso das suas vidas.
No entanto, este relato de experiências frágeis e insignificantes, num mundo de carências e necessidades de toda a ordem, cativou-me.
O bairro da lata mais pobre de Calcutá e os seus habitantes, esquecidos e transparentes aos olhos dos que não partilham o seu destino, transfigura-se num universo onde quem nada tem luta todos os dias por um dia mais. Um universo onde quem quer aliviar um pouco todo este sofrimento tem de aceitar modestamente que nada pode fazer salvo estender ao seu vizinho uma mão caridosa ou dirigir-lhe uma palavra amiga.
O único milagre realizado pelo padre e o médico que partilham o dia-a-dia desta " Cidade da Alegria" é terem visto pessoas onde os outros vêem "gado" para todo o serviço.Devolver o nome próprio a cada pessoa é devolver-lhe a dignidade, até mesmo nas condições mais "desumanas" .O padre rezava por cada um , qualquer que fosse a sua religião, e todos aceitavam as suas preces como um bâlsamo divino.
Como dizia Madre Teresa de Calcutá que se dedicou aos que eram menos que nada, os leprosos,os que nem neste bairro da lata tinham lugar : " Tudo isto é uma gota num oceano, mas o oceano precisa de cada gota."
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