terça-feira, 12 de abril de 2011

A Primavera sentou-se à minha janela
Esta noite
A Primavera dormiu
Talvez
Olhando para mim

E talvez
Sonhasse com a Primavera
Sentada à minha janela
Sorrindo em segredo
Para mim

Vi crescer a flor da árvore
Cair a fruta quente
Rir a cara, a boca, o beijo

E vi o sonho morno da noite
Passar
Por mim.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Encontros

Não queria deixar 2010 sem escrever algumas palavras para agradecer dois encontros insólitos : o senhor Chico e a senhora L. .
Ao senhor Chico, conheci-o numa catedral de enganos e esquecimento. Falava comigo como se fosse uma estrela caída e agonizante olhando para uma estrela no céu. Partilhávamos uma impotência e um desespero idênticos, presos num espaço oco, sem ressonância. Em cada conversa, teve a generosidade de fazer-me sentir a única flor num lamaçal sem contornos possíveis. Despedia-se sempre com emoção dizendo :
" Amanhã não voltará aqui e ficarei feliz."
Um dia não voltei e acredito que tenha ficado feliz.
A senhora L. vive mesmo ao meu lado. Olhava para ela sem a ver, sempre educada e distante.
Um dia, o seu coração salvou-me, sem hesitação nem medo.
Nunca negociou o preço do coração.
Esta irmã que desconhecia, contagia-me com a sua alegria e coragem todos os dias, mesmo que seja só numa esplanada deserta, por vezes debaixo de chuva, com um café e um cigarro.

Bom Ano Novo para todos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Lágrimas

Há dias, uma mulher cansada, já marcada pela vida, parecida com tantas outras aproximou-se devagar da mesa que ocupava numa esplanada e, sem controlar um choro miúdo e constante, pediu-me lume .
Começou a dizer baixinho que os seus queridos filhos recebiam pontapés do pai e acabavam batendo com a cabeça na parede cada vez que queriam aproximar-se para lhe dar um carinho.
O seu choro era mais intenso quando repetia que os meninos nunca tinham dito nada, até agora, já homens, para não causar tristeza na mãe. Por fim, de maneira quase inaudível, confessou que esse pai era o seu marido há trinta e cinco anos, agora com uma doença degenerativa que o prendia à cama. O carrasco dos filhos dependia dos seus cuidados constantes e ela tratava-o com o amor que sentira por ele ao longo de tantos anos.
A mulher não queria respostas nem consolo.
Acabou o cigarro, pediu desculpa pelas lágrimas e foi-se embora.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Vai acontecendo

Poderia a qualquer momento desistir, desistir de coisas, de ideias, de vontades até mesmo de sentimentos, mas não consigo desistir de pessoas. Talvez seja esta dependência que tenha permitido que o centro da dor nunca fosse exclusivamente um eu imaturo e sofredor, mas outros tantos que, apesar de tudo, transformam-me sempre numa pessoa capaz de conviver com todas as outras em mim.

Afinal, falando com todas, sinto ridícula a dor de uma ou relativa a frustração de outra.

No entanto, por vezes, todas as vozes se confundem e fico paralisada e muda, tentando não perder nada desta conversa impossível.

Sei que sou tudo isso, apesar de não poder viver assim. E não consigo desistir de nenhuma das vozes que falam em mim. Com o tempo, tudo parece mais confuso, ao contrário do que sempre me disseram.

Tão pouco encontro sentido nisto.

Aliás o único sentido que alguma vez encontrei, foi o de transformar a vontade em acção e de perder-me até ao ponto da acção transformar-se em vontade, e assim esvaziar-me de energia e deixar-me esgotada e vazia.

E só existe o que se faz.

Pensar que sou tudo o que faço, tem-me deixado muito irritada comigo. Por vezes, só por uma questão estética, por vezes ética e, por vezes, para ser sincera, isso também se confunde.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Acordar

Acordar com a luz parda da madrugada
Sem estrelas nem pássaros
Afinal é só um acordar
Sem festa
Imaginava cores de sonho, borboletas doidas
Vejo nuvens pesadas
Acordei de olhos fechados
O filme já acabou
Custa tanto acender a luz no quarto escuro
Basta acordar
Para sentir o peso lento
De um gesto
Repetido a contra-gosto.

terça-feira, 20 de julho de 2010

o remorso de baltazar serapião de valter hugo mãe

Primeiro, o desaparecimento das maiúculas e da pontuação emotiva : por um lado, diz o autor, tem a ver com ele ( com maiúsculas o texto não lhe soa autêntico), por outro lado tem a ver com o ritmo do discurso coloquial. Pronto e ponto de exclamação, porque o autor também perde a paciência.
Agora a história: os Serapião são uma raça amaldiçoada que extermina com requintes de malvadez as fêmeas da família para educá-las e lavar a sua honra. As excepções são a vaca, figura materna e fundadora da família, e o filho mais novo cuja inocência do coração se reflecte na arte de reproduzir a beleza para além da realidade.
Um pouco "Crime e Castigo", um pouco "Otelo" mergulhados num universo medieval (?) onde a realidade exacerbada e a fantasia criam um mundo cruel e delirante cuja escapatória é inevitavelmente a morte.
Aqui coabitam homens e animais, bruxas e feitiços, inferno e sexualidade.
O sofrimento é constante e devastador e Baltazar Serapião não encontrará descanso nem neste, nem em nenhum mundo.